Há na poesia a musicalidade dos pensamentos, do intelecto, das palavras organizadas que ora se organizam para expressar os pensamentos, ora para justificar a si mesmas. A poesia não apenas diz, ela canta, seja as rimas propositais ou acidentais de uma frase poética que se transforma em poema, seja na diversidade e profundidade de significados que não se fariam, não fosse por sua variação tonal, a sua musicalidade. Quando as palavras 'cantam' e nos tocam, dançamos com elas em nossa interpretação e compreensão do que elas nos dizem e nos fazem sentir.
Estou lendo relatos sobre Alucinações Musicais, nome do livro que, em sua primeira parte, explica os diversos casos de pessoas que passaram a ouvir música em suas cabeças, como se viessem de fora, aleatória e incontrolavelmente, ao ponto disso se tornar, para algumas pessoas acometidas do fenômeno, uma tortura enlouquecedora e, para outras, um dom, uma companhia não exatamente desejada, mas bem-vinda.
Muitos dos casos relatados têm causas fisiológicas e neurológicas, como a surdez e anomalias em partes específicas do cérebro, lesões e experiências traumáticas, mas há casos em que ocorrem também sem nenhum fator interno, externo ou emocional associado.
Embora o estudo seja principalmente sobre alucinações musicais, e inclua casos de alucinações visuais e o despertar de capacidades sensoriais e sensitivas extraordinárias, me faz pensar se não seriam os ímpetos em escrever e as frases que surgem do nada em minha cabeça, semelhantes em causa às alucinações musicais, ainda que o termo "alucinação" não seja o apropriado.
Segundo uma das explicações do estudo, o cérebro inventa sons, em forma de música, para compensar a inexistência de entradas sonoras que os ouvidos deixam de captar com a surdez. O cérebro precisa da atividade (de exercê-la), mesmo quando tal trabalho não lhe é exigido. Ele "ouve" internamente como se a música viesse de fora, sem utilizar-se dos ouvidos que pouquíssimo ou nada mais ouvem.
Seria este mais um recurso do cérebro e da mente para ouvir o "algo que fala em nós" que Nietzsche chamou de "es denkt in mir", e Freud, de inconsciente? Seriam os pensamentos ininterruptos em minha mente uma manifestação cerebral para compensar (ou encobrir) faltas, vazios que pela inatividade de algum tipo estariam sendo "preenchidas" para manter-se trabalhando?
Será o cérebro como o motor de um carro Fórmula 1 que, mesmo quando parado, requer ser mantido em alta rotação constante para não perder seu aquecimento, lubrificação e potência, ou até mesmo não "morrer"? Será a meditação um meio de disciplinar a super atividade compensatória do cérebro, sem desligá-lo?
Para o Dr. Leo Rangell, eminente psicanalista que autoestudou as próprias alucinações musicais, elas são como "um radio que só tem a tecla de ligar". "A passividade é superada pela atividade." "Por trás de cada defesa existe um desejo. [...] As músicas que afloram – (e aqui eu questiono se também os pensamentos e a escrita) – contém anseios, esperanças, desejos (românticos, sexuais, morais, agressivos, e também de ação e domínio)".
Assim como o Dr. Rangell que diz: "por mais que eu me queixe, a música é bem-vinda, ao menos em parte", eu penso e sinto o mesmo com relação ao incômodo que me põe a escrever. Identifico-me com ele, que a abrangência dessas experiências "convergem para uma única combinação (...) vivida e vivenciada não em um divã controlado, mas no palco de uma vida em progresso".
Estou gostando muito do livro que, ao falar sobre música e o cérebro, me leva a compreender minha relação com a escrita. O livro foi enviado como presente por minha filha, musicalmente sensível, que enquanto o lia achou que eu também deveria lê-lo. Ela acertou em cheio! Obrigado, filha!
– Gutto Carrer Lima
Estou lendo relatos sobre Alucinações Musicais, nome do livro que, em sua primeira parte, explica os diversos casos de pessoas que passaram a ouvir música em suas cabeças, como se viessem de fora, aleatória e incontrolavelmente, ao ponto disso se tornar, para algumas pessoas acometidas do fenômeno, uma tortura enlouquecedora e, para outras, um dom, uma companhia não exatamente desejada, mas bem-vinda.
Muitos dos casos relatados têm causas fisiológicas e neurológicas, como a surdez e anomalias em partes específicas do cérebro, lesões e experiências traumáticas, mas há casos em que ocorrem também sem nenhum fator interno, externo ou emocional associado.
Embora o estudo seja principalmente sobre alucinações musicais, e inclua casos de alucinações visuais e o despertar de capacidades sensoriais e sensitivas extraordinárias, me faz pensar se não seriam os ímpetos em escrever e as frases que surgem do nada em minha cabeça, semelhantes em causa às alucinações musicais, ainda que o termo "alucinação" não seja o apropriado.
Segundo uma das explicações do estudo, o cérebro inventa sons, em forma de música, para compensar a inexistência de entradas sonoras que os ouvidos deixam de captar com a surdez. O cérebro precisa da atividade (de exercê-la), mesmo quando tal trabalho não lhe é exigido. Ele "ouve" internamente como se a música viesse de fora, sem utilizar-se dos ouvidos que pouquíssimo ou nada mais ouvem.
Seria este mais um recurso do cérebro e da mente para ouvir o "algo que fala em nós" que Nietzsche chamou de "es denkt in mir", e Freud, de inconsciente? Seriam os pensamentos ininterruptos em minha mente uma manifestação cerebral para compensar (ou encobrir) faltas, vazios que pela inatividade de algum tipo estariam sendo "preenchidas" para manter-se trabalhando?
Será o cérebro como o motor de um carro Fórmula 1 que, mesmo quando parado, requer ser mantido em alta rotação constante para não perder seu aquecimento, lubrificação e potência, ou até mesmo não "morrer"? Será a meditação um meio de disciplinar a super atividade compensatória do cérebro, sem desligá-lo?
Para o Dr. Leo Rangell, eminente psicanalista que autoestudou as próprias alucinações musicais, elas são como "um radio que só tem a tecla de ligar". "A passividade é superada pela atividade." "Por trás de cada defesa existe um desejo. [...] As músicas que afloram – (e aqui eu questiono se também os pensamentos e a escrita) – contém anseios, esperanças, desejos (românticos, sexuais, morais, agressivos, e também de ação e domínio)".
Assim como o Dr. Rangell que diz: "por mais que eu me queixe, a música é bem-vinda, ao menos em parte", eu penso e sinto o mesmo com relação ao incômodo que me põe a escrever. Identifico-me com ele, que a abrangência dessas experiências "convergem para uma única combinação (...) vivida e vivenciada não em um divã controlado, mas no palco de uma vida em progresso".
Estou gostando muito do livro que, ao falar sobre música e o cérebro, me leva a compreender minha relação com a escrita. O livro foi enviado como presente por minha filha, musicalmente sensível, que enquanto o lia achou que eu também deveria lê-lo. Ela acertou em cheio! Obrigado, filha!
– Gutto Carrer Lima
Alucinações Musicais, de Oliver Sacks, Companhia das Letras.