Desde que comecei a escrever e divulgar publicamente meus escritos, notei a inabilidade de um sem número de pessoas compreenderem a mensagem de um texto, fosse isso simplesmente uma característica individual influenciada por cultura e formação, ou uma limitação decorrente de menor sensibilidade e inteligência que afetariam a capacidade de interpretação. Eu me perguntava: por que algumas pessoas podem ler as entrelinhas e outras não? Por que a leitura para além do significado literal das palavras não ocorre com todos? A resposta simples era: diferença de níveis de sensibilidade, falta de hábito e treino de leitura, pobre acervo de referências e até temperamento congênito. Lendo recentemente sobre sinestesia, que basicamente significa "fusão de sentidos", soube que a capacidade de perceber com diversos sentidos concomitantemente é rara, e embora seja um estudo relativamente novo da neurologia, a sinestesia é como um sexto sentido, ou sentido adicional, que pode nascer com a pessoa ou ser adquirida, geralmente mas não necessariamente devido à perda de algum sentido como a audição ou visão, perdas que estimulam o cérebro a desenvolver capacidades compensatórias e extraordinárias.
Pesquisas mostraram, por exemplo, que recém-nascidos percebem o mundo com sentidos mesclados; ouvem imagens visuais, veem sons, e até cheiram o que veem e ouvem. Não há uma utilização específica de um sentido ou outro; eles "captam" informações ainda desconhecidas do mundo exterior para o cérebro, que está "aprendendo", ligando suas conexões e desenvolvendo seus sistemas neurais para diferenciá-los e interpretá-los isoladamente, como imagem, som, cheiro, frio, calor etc. Rapidamente o cérebro perde esta capacidade sinestética, e não se sabe o motivo pelo qual raramente algumas pessoas a mantém na vida adulta, chegando a ser considerado um dom, que pode ou não vir a fazer diferença considerável no desenvolvimento de talentos musicais, por exemplo, o que costuma ser o mais notável, pois este tipo de sinestesia é associado também ao ouvido absoluto.
Do mesmo modo, um sinestético que mescle alta sensibilidade olfativa com visualização de cores e formas, pode se tornar um excepcional cozinheiro gourmet (arrisco-me a exemplificar). Uma característica sinestética é ver cores ao ouvir notas musicais, ou ao ler um texto, ou ao pensar num número, numa data ou dia da semana.
Seria a epifania, portanto, também uma fusão de percepções com causas neurológicas, e não apenas uma habilidade sensorial adquirida ou acidental de perceber além do que as palavras dizem? Seria a epifania um sentido extra, assim como o ouvido absoluto? Surpreende que nem todo músico necessite ter ouvido absoluto para ser compositor, e que muitos que o tem, não necessariamente são talentosos para compor, embora ouçam música e extraiam dela afetos emocionais acima do comum.
A epifania seria análoga ao ouvido absoluto, para o escritor, filósofo e poeta, bem como para quem não escreve mas possui sensibilidade diferenciada para ler (ou ouvir) um texto. A incapacidade de interpretar e encontrar significados não explícitos no texto não seria, portanto, um déficit de sensibilidade ou inteligência, sim a ausência de um dom sinestético que, por algum motivo, não se desenvolveu ou não se manteve, porque foi perdido na primeira infância.
Isto explica (para mim), o porquê dos diferentes gostos musicais, ou de um apreciador de música clássica não compreender o funk, e vice-versa. Ou da preferência por diferentes estilos de leitura. Ou de alguns verem extrema beleza poética numa história triste, enquanto outros a consideram horrível pelo mesmo motivo.
Os gostos estéticos nas artes, nos sabores, nas cores, formas e sons percebidos estão muito além da influência cultural. Elas decorrem também, ou primordialmente por causas neurológicas. A considerar ainda que influências externas afetam os sentidos, dada a plasticidade do cérebro e sua incrível capacidade de se adaptar e se compensar, poderão aumentar, reduzir ou limitar sua competência intelectiva, sensorial e conceitual.
– Gutto Carrer Lima
Referências: Alucinações Musicais, Oliver Sacks, Companhia das Letras
Pesquisas mostraram, por exemplo, que recém-nascidos percebem o mundo com sentidos mesclados; ouvem imagens visuais, veem sons, e até cheiram o que veem e ouvem. Não há uma utilização específica de um sentido ou outro; eles "captam" informações ainda desconhecidas do mundo exterior para o cérebro, que está "aprendendo", ligando suas conexões e desenvolvendo seus sistemas neurais para diferenciá-los e interpretá-los isoladamente, como imagem, som, cheiro, frio, calor etc. Rapidamente o cérebro perde esta capacidade sinestética, e não se sabe o motivo pelo qual raramente algumas pessoas a mantém na vida adulta, chegando a ser considerado um dom, que pode ou não vir a fazer diferença considerável no desenvolvimento de talentos musicais, por exemplo, o que costuma ser o mais notável, pois este tipo de sinestesia é associado também ao ouvido absoluto.
Do mesmo modo, um sinestético que mescle alta sensibilidade olfativa com visualização de cores e formas, pode se tornar um excepcional cozinheiro gourmet (arrisco-me a exemplificar). Uma característica sinestética é ver cores ao ouvir notas musicais, ou ao ler um texto, ou ao pensar num número, numa data ou dia da semana.
Seria a epifania, portanto, também uma fusão de percepções com causas neurológicas, e não apenas uma habilidade sensorial adquirida ou acidental de perceber além do que as palavras dizem? Seria a epifania um sentido extra, assim como o ouvido absoluto? Surpreende que nem todo músico necessite ter ouvido absoluto para ser compositor, e que muitos que o tem, não necessariamente são talentosos para compor, embora ouçam música e extraiam dela afetos emocionais acima do comum.
A epifania seria análoga ao ouvido absoluto, para o escritor, filósofo e poeta, bem como para quem não escreve mas possui sensibilidade diferenciada para ler (ou ouvir) um texto. A incapacidade de interpretar e encontrar significados não explícitos no texto não seria, portanto, um déficit de sensibilidade ou inteligência, sim a ausência de um dom sinestético que, por algum motivo, não se desenvolveu ou não se manteve, porque foi perdido na primeira infância.
Isto explica (para mim), o porquê dos diferentes gostos musicais, ou de um apreciador de música clássica não compreender o funk, e vice-versa. Ou da preferência por diferentes estilos de leitura. Ou de alguns verem extrema beleza poética numa história triste, enquanto outros a consideram horrível pelo mesmo motivo.
Os gostos estéticos nas artes, nos sabores, nas cores, formas e sons percebidos estão muito além da influência cultural. Elas decorrem também, ou primordialmente por causas neurológicas. A considerar ainda que influências externas afetam os sentidos, dada a plasticidade do cérebro e sua incrível capacidade de se adaptar e se compensar, poderão aumentar, reduzir ou limitar sua competência intelectiva, sensorial e conceitual.
– Gutto Carrer Lima
Referências: Alucinações Musicais, Oliver Sacks, Companhia das Letras
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